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Cientistas discutem papel dos estudos com seres humanos durante a crise da Covid e a necessidade de valorizá-los dentro do ecossistema de saúde brasileiro
Por Anamaria A. Camargo, bióloga, e Denis L. Fontes Jardim, oncologista*

“Podemos facilmente perdoar uma criança que tem medo do escuro; a real tragédia da vida é quando os homens têm medo da luz.” (Platão)

A pandemia da Covid-19 trouxe enormes impactos humanos, sociais, culturais e políticos, em sua maioria claramente negativos. No entanto, nota-se uma mudança positiva na percepção da sociedade em relação à pesquisa e ao conhecimento.

Se no início da pandemia havia uma proliferação de informações não fundamentadas transmitidas por “especialistas” da internet, o uso de medicamentos sem eficácia comprovada e orientações médicas baseadas em experiências pessoais, hoje se discute a urgência na ampliação do acesso a vacinas com eficácia comprovada e busca-se investigar e coibir recomendações não embasadas cientificamente como as disseminadas nesse passado recente.

Em um cenário preocupante, parafraseando o conceito platônico, vemos a “luz” emergir e é fundamental destacar o papel da pesquisa clínica nessa mudança. A pesquisa clínica é uma atividade de investigação científica envolvendo seres humanos, que tem como objetivo avaliar a segurança e a eficácia de um novo medicamento, testado anteriormente em estudos pré-clínicos usando modelos celulares e animais.

Ela representa a última etapa da transferência do conhecimento científico para a medicina. É uma atividade que requer rigor, tempo e investimento. No início da pandemia, foram publicados estudos de menor impacto sobre o tratamento da doença. Grande parte deles baseada em informações de epidemias anteriores e experiências de poucos centros de pesquisa.

Felizmente, em tempo recorde, cientistas e instituições ao redor do mundo se mobilizaram para realizar estudos mais robustos, que analisaram novos tratamentos e vacinas contra a Covid-19. Somente a partir deles é que ficou mais claro quais intervenções são benéficas, quais são irrelevantes e quais são prejudiciais no tratamento da doença.

Os centros de pesquisa clínica no Brasil participaram ativamente dessa mobilização. No Hospital Sírio-Libanês, assim como em outros hospitais públicos e privados, foram realizados importantes estudos clínicos que comprovaram a eficácia de corticoides e anticoagulantes no tratamento da Covid-19, assim como trabalhos com vacinas hoje disponíveis à população.

Além do avanço no conhecimento, a pesquisa clínica também proporcionou oportunidades de imunização e tratamento para inúmeros pacientes. A pandemia também trouxe avanços que permitiram maior agilidade na execução desse tipo de estudo. Ferramentas digitais foram utilizadas para conectar pesquisadores, pacientes e a indústria farmacêutica. Os órgãos regulatórios e comitês de ética em pesquisa adotaram formas mais céleres de tramitar e analisar documentos, sem comprometer o rigor científico e ético.

O futuro pode ser iluminado. Precisamos manter a conscientização da população sobre a importância do conhecimento e da pesquisa, incorporar os avanços tecnológicos e regulatórios e investir na qualificação de pesquisadores e centros de pesquisa para ampliar o acesso da população aos estudos clínicos. Precisamos aprender com a pandemia.

* Anamaria A. Camargo é coordenadora do Centro de Oncologia Molecular do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, e Denis L. Fontes Jardim é oncologista da mesma instituição

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